Setembro Amarelo nos convida anualmente a uma reflexão crucial: a saúde mental como pilar fundamental para a sustentabilidade dos negócios. Mais do que uma simples campanha, é um chamado à ação para empresas e líderes que buscam não apenas resultados financeiros, mas também o bem-estar e a prosperidade de suas equipes. Com experiência em intervenções de saúde mental no âmbito organizacional, precisamos destacar a importância de abordar o adoecimento mental e emocional no trabalho, considerando a complexidade de fatores que o atravessam.
Os Fatores Psicossociais e o Adoecimento no Trabalho
O adoecimento mental no ambiente corporativo não é um evento isolado, mas sim o resultado da interação de diversos fatores psicossociais do trabalho. É vital identificar e gerenciar esses elementos para criar ambientes verdadeiramente saudáveis. Entre os mais comuns, podemos citar:
Metas Inatingíveis ou Falta de Reconhecimento: Quando as expectativas são irreais ou o esforço não é valorizado, a desmotivação e o estresse se instalam. A ausência de feedback positivo, mesmo após o cumprimento de metas desafiadoras, pode minar a moral da equipe.
Falta de Autonomia e Microgerenciamento: Profissionais que não têm liberdade para atuar e expressar seu potencial ficam em constante estado de alerta. O microgerenciamento sufoca a criatividade e a capacidade de inovar, gerando um ambiente de vigilância contínua.
Ambiente Altamente Competitivo: Embora a competição saudável possa impulsionar, um clima excessivamente competitivo pode levar à defensiva, à falta de colaboração e ao aumento do estresse crônico.
Ausência de Processos Claros: A falta de previsibilidade e de processos bem definidos gera incerteza e ansiedade. Quando as pessoas não sabem o que se espera delas ou como lidar com situações inesperadas, o esgotamento mental é uma consequência comum.
Cobranças Excessivas e Falta de Segurança Psicológica: A ausência de segurança psicológica é um dos maiores entraves ao bem-estar e à inovação. Em ambientes onde o erro é punido e a expressão de ideias é inibida, a criatividade é aniquilada. Colaboradores precisam sentir-se seguros para se expressar, dar sugestões e, inclusive, cometer erros, pois é na tentativa e erro que a inovação floresce.
A intensidade e a frequência desses fatores são determinantes. Pequenas pressões pontuais são normais, mas quando essas situações se tornam o cotidiano, o corpo e a mente entram em um estado de vigilância constante, causando desconforto e minando a saúde mental.
Entendendo o Estresse: De Aliado a Vilão (Burnout)
É fundamental desmistificar o conceito de estresse. Ele não é inerentemente um vilão; na verdade, existe um estresse saudável, essencial para a sobrevivência e o desenvolvimento humano. Esse tipo de estresse nos impulsiona a superar obstáculos, a tomar decisões e a crescer profissionalmente. O problema surge com o estresse crônico, que ocorre quando não há tempo para recuperação, mantendo o corpo em um estado constante de alerta.
A Síndrome de Burnout, por exemplo, é um resultado direto do estresse crônico no local de trabalho que não foi gerenciado com sucesso. Reconhecida como doença relacionada ao trabalho (CID) a partir de janeiro de 2022, o Burnout impõe não apenas prejuízos à saúde do indivíduo e à produtividade da empresa, mas também implicações legais significativas. A singularidade do Burnout reside no fato de que o estresse causador é exclusivamente proveniente do trabalho.
Setembro Amarelo: Quebrando Estigmas e Promovendo a Diálogo
O Setembro Amarelo, movimento liderado pela Sociedade Brasileira de Psiquiatria e o Conselho Federal de Medicina desde 2014, visa a prevenção do suicídio, a forma mais grave de sofrimento mental. No entanto, sua importância se estende a um objetivo mais amplo: normalizar a discussão sobre saúde mental.
Ainda enfrentamos um grande tabu e estigma em torno da saúde mental. A linguagem cotidiana frequentemente utiliza termos relacionados a desequilíbrios emocionais de forma pejorativa, diminuindo e humilhando o outro. Isso cria uma cultura onde as pessoas evitam falar sobre suas dificuldades, temendo julgamento ou inadequação.
O movimento do Setembro Amarelo abre uma porta para que empresas e indivíduos se sintam autorizados a abordar o tema. Ele nos lembra que questões como ansiedade, dificuldades de sono, compulsões e esgotamento fazem parte da realidade humana, e não devem ser vistas como algo distante ou vergonhoso. É um compromisso anual de falar abertamente sobre um assunto que impacta a todos.
Quando nos deparamos com alguém diagnosticado, muitas vezes a reação inicial é de chacota, ilustra como a sociedade ainda estigmatiza o sofrimento emocional.
Este episódio nos convida a refletir sobre:
A normalização do sofrimento: Quantas vezes vamos trabalhar doentes, passando por cima dos nossos limites, porque “não podemos” faltar?
O privilégio de se cuidar: Nem todos têm a opção de cancelar compromissos importantes para priorizar a saúde. Isso ressalta a vulnerabilidade de muitas populações que não podem se dar ao luxo de parar.
A identidade ligada ao trabalho: Em nossa cultura, o trabalho se tornou um valor central, quase uma extensão da nossa identidade. Atingir metas no trabalho ativa o centro de recompensa do nosso cérebro, o que pode nos levar a insistir em jornadas exaustivas, mesmo quando outras áreas da vida já não trazem satisfação.
A mensagem é clara: precisamos estar atentos aos recados do nosso corpo e da nossa mente. Há muitas pessoas nas empresas, e é fundamental que os líderes e as organizações estejam preparados para identificar e apoiar esses profissionais antes que cheguem ao limite.
Práticas Essenciais para Promover o Bem-Estar nas Organizações
Para que empresas e líderes possam, de fato, promover um ambiente de bem-estar e saúde mental, algumas práticas são essenciais:
Letramento e Alfabetização Emocional: É o ponto de partida. Todas as pessoas na organização, do CEO ao estagiário, precisam entender como suas emoções funcionam, como elas são gatilhos e como gerenciá-las. Isso pode ser feito através de treinamentos e workshops que desmistificam as emoções e promovem a inteligência emocional.
Capacitação de Lideranças: Os líderes são a linha de frente. Eles precisam ser capacitados para:Identificar sinais de sofrimento: Estar atentos a mudanças de comportamento, humor ou desempenho na equipe.Sustentar conversas difíceis: Quebrar o tabu de falar sobre saúde mental, abordando o assunto com empatia e humanidade.Oferecer suporte e apoio: Saber como direcionar o colaborador a ajuda profissional, e como a empresa pode apoiar o processo de recuperação, evitando o desligamento como primeira resposta.
Promoção da Segurança Psicológica: Criar um ambiente onde as pessoas se sintam à vontade para se expressar, pedir ajuda, dar feedback e até cometer erros sem medo de punição. Isso fomenta a inovação, a criatividade e a lealdade.
Retenção de Talentos com Suporte: Em vez de desligar um profissional em sofrimento, as empresas devem enxergar a oportunidade de apoiar e reter esse talento. Uma empresa que cuida de seus colaboradores em momentos de vulnerabilidade constrói lealdade e fortalece sua cultura.
Em um cenário global onde a saúde mental se torna cada vez mais uma pauta urgente, as empresas que investirem no bem-estar de seus colaboradores não apenas prosperarão, mas também se tornarão referências em um modelo de negócio mais humano e sustentável.
Você já implementa alguma dessas práticas na sua organização? Qual é o maior desafio que você enfrenta ao abordar a saúde mental no ambiente de trabalho?